OPINIÃO

Crônica: O Atrasado

Na primeira e única vez que foi almoçar na casa dos futuros sogros, chegou na hora da janta. Dessa feita, a grande aposta na cidade era o quanto ele atrasaria no dia do casamento.

Crônica: O Atrasado
Publicado em 09/06/2024 às 19:00

Por Rodrigo Alves de Carvalho

Faz muito tempo que Genivaldo parou de usar relógios.

— Instrumento inútil para mim!

E realmente era. Genivaldo sempre estava atrasado. Quando criança, só chegava após o sinal da entrada de aula, e por muitas vezes, teve que voltar para casa devido aos atrasos de quase uma hora. Não adiantava sair de casa muito antes do horário, pois quanto mais cedo saia, mais tarde chegava.

Genivaldo fazia o trajeto todos os dias praticamente correndo, e o que outras crianças levavam dez minutos, Genivaldo fazia igual, mas chegava na frente da escola e já havia se passado quase uma hora.

Era uma maldição.

Quando ia acompanhado de um amiguinho, por mais rápido que andassem, ambos chegavam atrasados. Foi assim que as pessoas acabaram evitando andar ao lado de Genivaldo, principalmente, quando tinham compromissos marcados.

Foi demitido de vários empregos pelos constantes atrasos. Passou a trabalhar em casa, fabricando peças de biscuit que vendia para clientes fixos. Pelo menos os pedidos que recebia não atrasava em entregar.

Conheceu Aninha ao acaso, quando chegou no cinema atrasado, o filme havia acabado e Aninha saia junto de uma amiga.

— Vai começar a sessão das oito? – Perguntou Genivaldo.

— O quê? Agora acabou a sessão das dez!

E entre risadinhas com a amiga pelo jeito assustado de Genivaldo, acabou se apaixonando por ele.

Nem preciso falar que o grande incômodo desse relacionamento eram os constantes atrasos do rapaz. Marcavam um encontro e quando ele chegava, ela já tinha ido embora, cansada de esperar.

Na primeira e única vez que foi almoçar na casa dos futuros sogros, chegou na hora da janta. Dessa feita, a grande aposta na cidade era o quanto ele atrasaria no dia do casamento.

Aninha sem avisar o noivo, entregou os convites com horário real das dezesseis horas, mas para Genivaldo sempre falou que o horário seria as catorze horas, dessa maneira ele não atrasaria.

Ledo engano, quando Genivaldo chegou na porta da igreja, todos tinham ido embora, olhou no relógio da torre e este marcava dezenove horas.

Depois disso, Aninha nunca mais quis saber do atrasado Genivaldo.

O tempo passou. Na cidade as pessoas nasciam, envelheciam, morriam e Genivaldo sempre chegava atrasado em seus enterros.

Dizem que hoje, Genivaldo tem quase duzentos anos. Dizem que ainda não morreu porque toda vez que a morte prepara sua viagem para o além, ele chega atrasado.

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2022 relançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores, disponível na Amazon, Americanas.com, Estante Virtual e Submarino.