
Existem situações na vida da gente que, se não forem levadas na esportiva, acabam imediatamente com o bom humor comprometendo, inclusive, a convivência com as pessoas, o que não é desejável, considerando-se a irritabilidade crescente de muitos, principalmente dos mais jovens.
Eu tenho um amigo, aliás, um bom amigo que, por força de suas atividades, é obrigado a trabalhar sempre engravatado. Não, não é advogado, não. Nem gerente de banco. É um especialista em mercados, técnica e administração de vendas que assessora várias empresas nesse difícil mister dos dias atuais, que são os níveis de vendas. Também leciona em sua especialidade, procurando transmitir, aos alunos, os seus amplos conhecimentos nessa matéria bastante atual. Como o seu trabalho não é inflexível, em virtude do calor ele, via de regra, deixa o uso do paletó de lado, o que lhe dá um ar informal. Outro dia, estávamos tomando um café, ali no estabelecimento da Bia, quando alguém lhe pediu uma informação, pensando tratar-se de um funcionário de banco. De muito bom humor, atendeu a pessoa no que foi possível e retornou ao balcão para prosseguirmos o papo.
Devo dizer que esse meu amigo é meio sisudo, usa óculos de grau, mas com lentes escuras e o bigode lhe confere um ar de executivo. Pelo menos, essa era a minha impressão, até ele me contar que sempre o confundem com outros profissionais, principalmente motoristas de ônibus. E foi narrando várias passagens ocorridas durante as inúmeras viagens que empreende pelo estado. Contou que, no final do ano passado, próximo ao Natal, parou num posto de gasolina da Anhanguera, tomou um refrigerante para combater o calor e, ao sair da lanchonete, uma senhora lhe perguntou se podia colocar as malas em um dos ônibus que estavam estacionados mais adiante. Sem tempo para maiores explicações, fez que sim e foi para o sanitário. Ao sair, foi abordado pela mesma senhora, acompanhada de uma amiga e o censuraram por não tê-las auxiliado na tarefa de carregar as bagagens. Ouviu, sem querer, alguns desaforos para depois informar que não era o motorista do coletivo e que só não explicou isso antes por não lhe terem dado tempo para tanto.
Demos uma gostosa gargalhada em face ao ocorrido, mas ele continuou: “- outro dia, num posto da Castelo Branco, eu estava me preparando para pagar a conta, ao sair do restaurante, quando um motorista parou ao meu lado, olhou o crachá da minha empresa, confundiu-a com outra e perguntou se fazia tempo que eu havia mudado de emprego e estava, agora, trabalhando com excursões. E não me deu tempo para contra argumentar. Aliás, eu nem pretendia fazer isso para não levar o assunto mais adiante. Ele, então, me disse que não pagasse a conta, pois os motoristas de excursão gozam desse privilégio. E, achegando-se mais, para que a moça do caixa não ouvisse, completou dizendo que a única coisa que eu tinha que fazer era parar o meu ônibus bem próximo da porta e, depois, informar que havia escolhido o local para trazer os turistas. Não tem erro. Você come e bebe o que quiser e sai tranquilamente, sem maiores problemas. Bateu nas minhas costas, me desejou uma boa viagem e foi embora.”
Terminamos o café e nos preparamos para sair. A Bia já estava recolhendo as xícaras quando, ao chegarmos à rua, alguém o abordou novamente. Dessa vez o haviam confundido com um motorista de taxi. Ele sorriu, como sempre faz e concluiu: “- é só a gente não fazer questão, pois a vida tem dessas coisas...”
Paulo Oscar F. Schwarz é jornalista. Texto publicado originalmente no Comércio do Jahu anos atrás