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Sexta, 29 de março de 2024

CONVERSA DE BOTEQUIM

08 de Jul 2021 - 11h:00

Outro dia, à tarde, resolvi fazer a minha caminhada diária lá pelas bandas do cemitério. O sol, iniciando seu poente e tingindo as nuvens de vermelho, ainda estava quente e por isso resolvi fazer uma pausa, num bar, para um copo de água, sem gelo, por estar todo transpirado.

Encostei-me no balcão para retomar o fôlego, quando dois mecânicos, com as ares cansados, entraram e pararam ao meu lado. Apesar de distraído com o movimento da avenida, não pude deixar de ouvir a conversa dos dois trabalhadores: “- aonde você sumiu a tarde toda, hoje?”, perguntou o mais próximo, enquanto pedia, ruidosamente, uma cerveja, reclamando do calor. O outro, com um ar mais jovem e ostentando uma barba estilo Fidel Castro informou: “- fui tirar uma nova identidade. A minha já estava meio rasgada e eu aproveitei para mandar colocar, nessa nova, que eu não quero ser doador.”

O parceiro, já ostentando uma calvície, quis saber porque e a explicação veio simples e objetiva: “- orra, meu, com esse negócio de ter que dar as coisas na marra quando a gente bate com as deis, eu fiquei esperto. Se eu tivesse certeza que iriam tirar os “órgão” só depois que eu morrer mesmo, tudo bem. Mas você já imaginou se, pr’a aproveitar melhor, eles resolvem me morrer antes do tempo? Comigo não, nego. Se a minha mulher quiser fazer a doação depois que eu for embora, tudo bem, mas quero que todo mundo tenha a certeza de que eu morri sem dúvida. Já pensou você acordar de repente sem um olho, que é a primeira coisa que os “nego arranca fora?”

O gozador deu um sorriso maroto, complementando: “- que é isso, será que alguém vai aproveitar alguma coisa sua?. O fígado não funciona mais de tanto “arco” e o “purmão”só tem nicotina. Pode “morrê”sossegado que ninguém vai tirar nada, não. Aliás, “ocê” parece mesmo é como aquele fusquinha que eu “to reformando”. A lataria tá boa, mas o motor tá um bagaço.”

Nisso entrou um outro trabalhador que, a julgar pelo aspecto, deveria ser colega dos demais. Encostou no balcão e serviu-se, sem cerimonia, da cerveja dos amigos que o olharam com um jeito maroto. Foi o barbudo quem mudou o assunto: “- ganhou na loteria hoje, heim parceiro? E aquele bruta mulherão que você foi levar, deu pé?”. O recém chegado coçou a cabeça e relatou sem a menor cerimônia: “- era um avião mesmo e ela judiou de mim o tempo inteiro. Vocês viram o tamanho do vestido dela, ne? Pois bem, a sacana fazia questão de deixar a roupa subir cada vez mais. Sabia que tava mostrando tudo e ainda dava uma risadinha na minha cara. Quando chegamos na casa dela, convidou para entrar, me deu um copo de laranjada, dizia pr’a eu não ter pressa, não. sentou na minha frente e cruzou as pernas. Meu Deus, dava pr’a “vê”tudo”

O relato deixou os amigos interessados. O barbudo bateu no ombro do companheiro e perguntou: “- e aí, deu pé?”. O rapaz engoliu a cerveja num gole só e arrematou: “- acho que ela tava me tirando um sarro. Aí chegou o marido. Orra meu, o cara parecia um guarda roupa. Larguei o refresco, dei uma desculpa e tirei o time. Encrenca é para quem gosta.” Terminei a garrafinha de água e retornei a caminhada. Escurecia vagarosamente e uma leve brisa amenizava o calor. Fiquei pensando no universo simples dessas pessoas que só sabem trabalhar e que encerram o dia com uma simples “conversa de botequim...”

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