Um amigo meu, aliás, um excelente amigo de longa data, emérito professor de ciências, capaz de memorizar as travessuras de vários alunos, bioquímico de profissão, dono de uma simpatia ímpar, corintiano de longa data e amante da boa música, estava vendendo o Chevette que tinha sido o companheiro de muitas jornadas - hoje ele é o feliz possuidor de um Voyage- e estava lá, em sua residência, encarando a difícil tarefa de convencer o comprador das qualidades do veículo.
Convenhamos, não é tarefa das mais fáceis, principalmente para quem não é do ramo mas, o meu amigo, com a sua habitual simpatia, estava conseguindo estabelecer diálogo. E os filhos ali do lado, acompanhando tudo, principalmente o mais novo, perspicaz e observador. Num determinado momento, o meu amigo, para arrematar a transação, informou que o velho Chevette nunca tinha dado problema. E foi aí, justamente aí, no momento crucial que o caçulinha abriu a boca: “Num deu problema, pai? E aquele dia que ele não pegava de jeito nenhum? E aquele dia que ele parou lá embaixo, no centro e foi preciso empurrar?”É claro que o negócio acabou saindo. O comprador sabia que era coisa de criança e tudo terminou a contento.
Mas, quando é criança que apronta, a gente entende. Afinal, como dizem os psicólogos, criança é assim mesmo. Agora, quando acontece com adulto, é outra coisa. Os grandes dão é mancada mesmo e não tem jeito. É o caso do meu amigo farmacêutico, aquele que tem um estabelecimento bem no centro e que, como bom sãopaulino que é, acabou pintando a fachada com as cores do Palmeiras. Pois bem, há questão de umas três semanas, se tanto, ele deu entrevista para uma das rádios da cidade. Aliás, ele é perito no assunto. Já apareceu na televisão, volta e meia está no jornal e, não raras vezes fala no rádio.
Pois bem, o meu amigo farmacêutico, magro e brincalhão, gravou a entrevista e, no horário tradicional dos noticiários, estava lá, de radinho em punho, esperando para ouvir a própria voz. E, junto com ele, os amigos gozadores de sempre. Entrava um, saía outro, entrava um freguês, saía outro e todos ali, no tradicional banco, esperando pela entrevista. Aliás, a grande maioria estava ali esperando para ver se ele gaguejava ou dava qualquer mancada, para poder tirar um sarrinho depois. Aliás, é bom que se diga que o mais sério, ali, dá nó em fumaça.
Radinho em punho, audiência inquieta e nada da entrevista. Na parede, o relógio comendo os minutos, enquanto o noticiário prosseguia, enumerando os últimos acontecimentos da cidade, mas nada da esperada fala do farmacêutico. E, finalmente, o jornal chegou ao fim. O locutor se despediu e o meu amigo com aquela cara chateada de “esqueceram de mim”. Foi aí que um dos freqüentadores do estabelecimento se levantou do velho banco e pegou o radinho. Olhou o mostrador e perguntou para o comerciante para qual emissora ele havia concedido a honra da entrevista. Ele informou que havia falado para a Jauense.
Foi aí que o D’Amico deitou e rolou. Com o radinho nas mãos, mostrava para todo mundo que estava sintonizado na Piratininga e, rindo, comentava “mas você, heim? grava entrevista numa rádio e quer ouvir na outra? “mas que mancada, heim...?
Paulo Oscar Ferreira Schwarz