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Quinta, 28 de março de 2024

O RETRATO DE UMA ÉPOCA

23 de Abr 2021 - 12h:41

Morreu o cantor Nelson Gonçalves, talvez, o último representante dos grandes intérpretes que marcaram as décadas de 30, 40, 50 e 60, principalmente, como Francisco Alves, Orlando Silva,  Silvio Caldas e Angela Maria, entre outros. Imortalizaram, ao longo dos anos, centenas de canções que hoje estão incorporadas ao grande repertório dos “clássicos populares”e, por mais que o tempo passe e os usos e costumes se modifiquem, jamais serão esquecidas. Haverá sempre alguém de bom gosto a cantarola-las baixinho, tentando relembrar ou advinhar a época de ouro da música brasileira.

Comecei a ouvir Nelson Gonçalves no início da década de 50, ainda moleque de calças curtas. O rádio era, então, o único meio de diversão deste interior que ainda estava desabrochando. A Rádio Jauense - que na época era a única- tinha um programa que se chamava “Às vossas ordens”, no qual atendia os pedidos dos ouvintes, por carta e Nelson Gonçalves era um dos grandes favoritos. Os velhos discos de 78 rotações, feitos de cera de carnaúba e que se quebravam com facilidade, rodavam naquelas vitrolas - isso mesmo, os toca discos eram chamados de vitrolas, porque os primeiros foram fabricados pela R.C.A.Victor- rodavam as gravações e enchiam os ares com o vozeirão do grande cantor. 

Os anos foram passando e o repertório do intérprete ia aumentando, assim como o número dos seus fãs. Naquela época, entre outras molecagens inocentes, de vez em quando a gente resolvia fazer uma serenata e “A volta do boêmio”era sempre uma das preferidas. Via de regra, o pai da menina homenageada com a seresta não gostava da música e, uma noite inesquecível, já no finalzinho dos anos 50, um genitor um tanto irado conseguiu nos alcançar e, ao contrário do que a nossa turminha pensava, ele só reclamou da música. Disse que boemia era coisa de zona e não para mocinhas de família.

 Fui entender essa posição algum tempo depois, na primeira vez em que tive oportunidade de entrar no famoso bairro que ficava atrás da Estação Velha. Era um moleque mirrado, de baixa estatura - como até hoje- magrinho e, convidado pelo sobrinho de uma das proprietárias de “casas de tolerância”, como eram denominadas então, descobri que os discos do Nelson Gonçalves eram os preferidos entre as jovens que ali trabalhavam. Ele, em suas canções sabia, como ninguém, descrever o drama  daquelas mulheres que, um dia, perderam a mocidade e as esperanças por causa de um sistema hipócrita que os costumes da época impunham. 

Mas, era o mesmo “Nersão” que, em “Normalista”, conseguia descrever muito bem as estudantes que cursavam magistério. Em sua música, como na vida real e numa época que não voltará jamais, retratava com sensibilidade aquelas mocinhas de uniforme azul e branco ou saia marron e blusa branca, que enfeitavam as ruas da cidade todos os dias. Desciam em bandos alegres, vindos do Colégio São José ou do Instituto de Educação e, dentro dos padrões vigentes, com o recato necessário, já que cidade era pequena e todos se conheciam, flertavam com os moços que trabalhavam e circulavam pelo centro da cidade.

Nelson Gonçalves e suas músicas representam, sem dúvida alguma, “o retrato de uma época...”

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO COMÉRCIO DO JAHU ALGUNS ANOS ATRÁS...

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