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Quarta, 29 de novembro de 2023

Dias de antigamente

27 de Out 2021 - 12h:31

Sou fanático por cinema desde os meus tempos de criança. Culpa de quem? Do Padre Serra, o sacerdote que, com muita dedicação, conduziu várias gerações de moleques no final dos anos 40 e através das décadas de 50 e 60. Era no seu cineminha, às sextas feiras à noite e, aos domingos, pela manhã, que a gente assistia aos velhos filmes do Hopalong Cassidy, do Gordo e o Magro, da dupla Bud Abott & Lou Costello ou, ainda, às hoje esquecidas comédias de Joe E. Brown, o “Boca Larga”. Foi ali, também, no fundo daquele prédio da Major Prado – que hoje está se deteriorando- que a minha geração aprendeu muito de religião e, principalmente, que às cerimônias religiosas se assiste com respeito, silêncio e compenetração. Coisas de antigamente, diriam alguns. Mas os sábios conselhos do velho sacerdote ficaram marcados para sempre e, quanto mais passa o tempo, mais atuais eles parecem.

Nos tempos de calças curtas, início dos anos 50, o orgulho da grande maioria era poder ajudar a missa, coisa disputada aos tapas. Mas, quando o padre descobria, fatalmente vinha o castigo, seguido de muitas palavras que penetravam fundo e ajudaram na construção da personalidade de muitas gerações. De vez em quando a gente, como bom moleque, acabava batendo um papinho durante as missas e, fatalmente, lá vinha a bronca: “-igreja é lugar de respeito”. Uma vez, só uma vez, ele chamou a minha atenção. Com aquele vozeirão que lhe era peculiar disse: “- você não leu a Bíblia? Lá, na passagem dos vendilhões do Templo, Ele fez questão de dizer que a Sua Casa era Casa de oração. Portanto, lembre-se sempre disso.” E essas suas sábias colocações aparecem repentinamente, quando a gente vê alguma coisa diferente. Talvez as marcas daquela época sejam muito profundas.

Bem, mas eu estava falando era de cinema e acabei desviando o assunto. É que os filmes de hoje parecem não ter mais aquele encanto de décadas passadas. Aliás, ele não tem mais é a mensagem que procurava conter, dizendo sempre que “o bem deveria imperar sobre o mal”. Por isso a gente torcia muito para o mocinho nas velhas películas em

preto e branco do cineminha do padre. Mesmo nas brincadeiras despreocupadas pelas ruas sossegadas do Jaú da época, ninguém queria fazer o papel do bandido. Todo mundo queria ser o herói, aquele que chegava, impunha a ordem e, sorrateiramente, se retirava depois da missão cumprida, não sem antes dar uma flertada com a mocinha que ficava, tristonha, dando adeus ao cavaleiro que desaparecia na estrada poeirenta.

Até a música era mais saborosa e delicada. Afinal, já não se fazem mais compositores como antigamente. Alguém consegue se esquecer dos acordes de “É tão sublime o amor, quando Jennifer Jones sobe a colina à espera de Wilham Holden, sabendo que ele jamais retornará?. Tampouco se poderá olvidar a belíssima partitura criada para o desenho “Pinochio”, quando ele diz que “todos os seus sonhos poderão se realizar quando você deseja alcançar uma estrela?”

Àss vezes dá uma bruta saudade de tudo isso. Talvez sejam os tempos difíceis da atualidade, da insegurança que parece existir no futuro, da eterna incógnita que cerca o ano 2000 e que, apesar de todas as suas inovações eletrônicas, jamais terá o encanto singelo e rude do velho cineminha do Padre Serra, frequentado por várias gerações que hoje aí estão, com os cabelos brancos – para os que ainda os tem – pensando angustiados no mundo de amanhã. Na vida real, assim como no cinema, parece que já não se fazem mais os despreocupados “dias de antigamente...”

Texto publicado originalmente no Comércio do Jahu anos atrás

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